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“Outonos”, prosas para enfrentar o luto

Após dias de chuva em Santos, a Casa das Culturas, símbolo do renascimento cultural de uma cidade rica em história, recebe uma autora diferente das outras. Um discurso diferente. Dignidade diante da adversidade. O sofrimento parece banhado pela ilusão das palavras. O sonho perde seu sentido comum. “Uma tarde de outono” atravessada pela surpreendente resistência de uma mãe que encara seu luto de frente.

Maria Bernadete é uma pessoa serena. É um valor e uma força seguros e um exemplo de coragem e paciência em um mundo habitado por incertezas e agitações.

Do jeito que ela é, mesmo uma perda extrema não a desestabiliza. Sua história é ainda mais especial para mim, pela força psicológica que ela soube encontrar através da narrativa, da literatura, da força das palavras e da alma para convencer os males. Enfrentar a evidência de uma surpresa amarga da própria vida. (“A narrativa que cura” é o tema do meu TCC, no curso de psicologia, na UNIFESP.)

A arte de lidar o caos

Todos os dias tentamos controlar nosso caos para transformá-lo em uma realidade que reflita nossa imagem. O outro está sempre presente, como uma referência de alegria, conflito ou paz, mas acima de tudo como uma essência, uma fonte de medida, de consciência, uma sucessão de estações que nos enche de sentido ou nos priva dele.

A palavra dá sentido às nossas fissuras. Ela costura partes da nossa existência que pertencem a estações distintas. Então, o que no início é absurdo, volta a fazer sentido na ponta dos dedos em busca da verdade. Aí, percebemos que o outono só faz sentido no plural. Que é uma estação eterna onde tudo se transforma em prosa para que os outros possam aproveitar.

Acabei de ler Maria Bernadete, como uma manhã de outono. Onde tudo parece novo. Onde tudo se veste de busca e de esperança, de renascimento, de borboletas, de folhas inúteis que cedem seu papel às úteis. Onde tudo parece “outonos” e “outonos”.

A autora sabe escolher suas palavras. Ela atravessa seu luto com dignidade e elegância. Calma como é, sua essência encarna “outonos”. Mas, mais importante ainda, ela nos oferece um excelente exemplo de alguém perfeitamente capaz de dominar, canalizar e organizar seu caos para transformá-lo em palavras e pão para o coração e os sentidos.

Às vezes é só ela: “Eu não me decidia em relação ao título do livro.” Outras vezes, ela é apenas uma mãe que faz o possível para registrar os momentos de seus filhos passando pela infância e adolescência. Mas como saber quando estamos próximos ou distantes de nossos filhos? Compreendi (um pouco) a extensão da perda quando vi a outra filha sorrir. Ela encarna magnificamente uma lembrança que queremos guardar para sempre.

Outonos” nos ensina simplesmente a brotar necessariamente. É uma terapia para a alma em busca de equilíbrio. Um livro a ser lido.   

Artigo: Carlile Max Dominique Cérilia

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